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Aborto é direito da mulher, não crime

02/12/2016

Para Didice Delgado, primeira coordenadora de uma comissão de trabalhadoras da CUT, mais impactadas são as menos ouvidas nesse tema

Escrito por: Luiz Carvalho


Há 25 anos, num ambiente majoritariamente machista e masculino, como é o movimento sindical, um grupo de trabalhadoras da CUT propunha, durante o 4º CONCUT (Congresso Nacional da CUT), que a Central se declarasse favorável à descriminalização e legalização do aborto.

À frente da discussão na Central havia mulheres como a assistente social Didice Delgado, primeira coordenadora da CNMT (Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora da CUT), um espaço que ainda sequer havia se transformado em secretaria.

Para ter ideia de quão audaciosa foi a proposta, basta avaliar a recente reação à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de não considerar crime a interrupção da gravidez nos primeiros três meses de gestação.

Horas após a decisão, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que criará uma comissão especial na Casa para tentar reverter a decisão.

Decisão que não descriminaliza a prática do aborto no país, porque foi tomada por apenas cinco dos 11 ministros do Supremo, mas que cria precedentes para que outros juízes se posicionem da mesma forma.

Em entrevista ao Portal da CUT, Didice conta como o tema entrou na agenda da Central e aponta a necessidade de aproveitar a decisão do Judiciário para ampliar a discussão sobre algo tão delicado em um tempo de ascensão do conservadorismo.

Como a discussão sobre a legalização do aborto chegou à pauta da CUT?
A posição da CUT a favor da descriminalização e legalização do aborto foi tomada no 4º CONCUT (Congresso Nacional da CUT), em 1991. Não conheço outra central sindical, ao menos entre as brasileiras, que tenha adotado posição semelhante. É um tema muito polêmico na sociedade inteira e a discussão começou porque entrou na então Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora, da qual eu era coordenadora. Uma pauta que já era do movimento feminista.

A criminalização do aborto recai de forma muito cruel sobre as mulheres trabalhadoras, pobres, que não têm condições de pagar um aborto clandestino, parte de uma indústria que se prolifera no Brasil. Então, se subtemem à interrupção da gravidez em condições precárias, perigosas, muitas morrem ou ficam com sequelas para a vida inteira.

Por termos desenvolvido nosso trabalho com uma orientação sindical e feminista, já tinha nessa época a compreensão de que as decisões sobre ter ou não filhos é da mulher. E toda mulher deve ter o direito de decidir se quer dar à luz.

Sabemos que métodos contraceptivos falham, muitas engravidam em consequência de violência, havia esse debate entre nós e achávamos que a CUT deveria se posicionar sobre temas que dizem respeito à mulher trabalhadora, ainda que não sejam diretamente relacionados ao local de trabalho.

Propusemos o debate no 4º CONCUT e a proposta foi aprovada num encontro que tinha maioria de homens como delegados, em uma central sindical formada por muitas pessoas de formação religiosa. Fizemos a discussão sob o aspecto de que a criminalização do aborto prejudica as mulheres trabalhadoras e conseguimos aprová-la.

O que aconteceu a partir da aprovação?
Portal da CUT – A partir daí, passamos a participar da luta geral do movimento de mulheres em defesa da legalização do aborto no Brasil como CUT e não mais individualmente como sindicalistas, da maneira que vínhamos fazendo.

Didice no primeiro encontro nacional da questão da mulher trabalhadora, em 1988 (Foto: Januário F.Silva) Mais adiante, a central começou a participar da rede de descriminalização do aborto e, com a decisão do STF, que nos surpreendeu positivamente, temos de discutir como é importante a CUT estar prestando atenção nessa luta para evitar mais retrocessos. Essa é uma janela que se abriu e permite reforço da luta, muito antiga e ainda não vitoriosa.

O Congresso Nacional hoje é mais conservador do que era em 1991?
Portal da CUT – Certamente, muito mais. Aliás, é o mais conservador e mais de direita desde a redemocratização do país. E temos setores radicalizados, fundamentalistas que lutam contra todas as bandeiras do movimento de mulheres, LGBT, negro e defendem pautas racistas, sexistas, homofóbicas e xenófobas.

Já vimos isso na discussão do Plano Nacional de Educação, em que o debate sobre igualdade de gênero foi retirado por conservadorismo nas câmaras municipais e assembleias legislativas, considerando que não se pode falar disso nas escolas. Nesse sentido, vivemos momento de muito retrocesso.

Sobre o aborto ainda não seguíamos para uma legalização, mas em relação à igualdade de gênero já havíamos avançado muito. Hoje é mais difícil exercer abertamente a discriminação contra as mulheres, porque temos mecanismos de controle, uma legislação, mulheres ocupando espaços públicos, ainda que em desigualdade. Tivemos uma presidenta mulher, uma secretaria de políticas para mulheres no governo federal que desenvolveu um trabalho de criação de políticas sociais de igualdade de gênero e autonomia econômica.

Tivemos políticas mais gerais, como de valorização do salário mínimo, que beneficiaram muito as mulheres, o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, que tinham as mulheres como destinatárias.

Avançamos muito, mas com o governo golpista já observamos retrocesso em todas essas áreas e devemos reunir esforços e muita energia para fazer resistência.

A religião está mais presente na política do que naquela época?
Portal da CUT – Sim e acho que uma religião muito conservadora e retrógrada. Porque há várias dimensões religiosas, mas temos uma influência muito forte das crenças reacionárias. Há igrejas que têm representação muito forte no Congresso e cujo objetivo é transformar essas posições conservadoras em legislação para toda a sociedade.

Cada religião tem sua forma de ver o mundo e encarar as questões sociais, de comportamento e moral, temos de respeitar isso. Mas uma religião, uma igreja não pode querer impor seus valores para toda a sociedade e vivemos isso.

Como você compara o Brasil com o resto do mundo no debate sobre o aborto?
Portal da CUT – Depende com quem comparamos. Se compararmos com países islâmicos, estamos muito avançados, mas se comparamos com países ocidentais de história mais longa de construção da tolerância e da igualdade de gênero, vemos que estamos atrasados.

O Uruguai é o único país latino-americano, fora Cuba, que tem outra organização social e política muito diferente, que legalizou o aborto. A América Latina ainda é bastante lenta nesses temas e em comparação com alguns países europeus, como a Escandinávia, numa região onda há os mais altos índices de igualdade de gênero, ainda engatinhamos.

Nesta semana em que foi anunciada a decisão do STF, a maior parte das pessoas ainda se manifestou de maneira contrária, considerando o aborto um assassinato. Como discutir essa questão em regiões onde o acesso à informação é mais difícil e as religiões são as maiores formadoras de opinião?
Portal da CUT – É uma discussão realmente difícil, porque a influência do pensamento conservador é muito forte e se dá por mecanismos de difusão de informação muito forte, instituições muito fortes, as igrejas.

Como fizemos no movimento sindical, tem de discutir como direito da mulher, uma decisão da mulher. A bandeira de que são as mulheres que decidem sobre seus próprios corpos precisa ser muito reforçada. Se os homens engravidassem, o aborto teria sido descriminalizado há muito tempo. São os homens que ainda têm maior poder de decisão na sociedade. É preciso fazer com que as mulheres possam decidir sobre questões que lhe dizem respeito.

Mas aí você pode dizer, há mulheres contrárias ao aborto, e ninguém que defende o direito ao aborto considera isso bom. É traumático para a mulher interromper a gravidez e os estudos mostram que descriminalizar a prática não aumenta o número de casos. Não houve isso nos países que avançaram sobre isso.

Com a legalização, simplesmente realizam em melhores condições e não são prejudicadas em sua saúde. Não são criminalizadas e culpadas. A criminalização do aborto penaliza apenas as mulheres, que sofrem consequências psicológicas, físicas e de saúde. É um sofrimento muito solitário e que parte de uma decisão tomada por uma sociedade, instituições e poderes que não dão autonomia à mulher para decidir.

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